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25/ 02/ 2025
Cordões, ranchos, corsos, blocos e bandas garantem a folia santista desde o século 19
Na semana passada, já contamos a história do tradicional desfile das escolas de samba de Santos. Mas, é bom lembrar, que o carnaval santista já tinha fama por todo Brasil desde o século 19. Vamos mostrar um pouco desse passado de folia, com os cordões, ranchos, corsos blocos, como o famoso 'Dona Dorotéia, Vamos Furar Aquela Onda?´, as batalhas de confete, bandas e muito mais. Confira:
ÚNICO CARNAVAL COM ‘CERTIDÃO DE NASCIMENTO’
14 de fevereiro de 1858. Somente a cidade de Santos sabe precisamente quando foi realizado seu primeiro baile de carnaval, data da criação da Sociedade Carnavalesca Santista. O evento foi realizado no Largo do Chafariz, que passou a ser posteriormente a Praça Mauá, no Centro.
A criação do baile teve como objetivo acabar com uma brincadeira que antecedeu o carnaval em Santos, de origem portuguesa, chamada entrudo e considerada violenta, já que tinha como costume os participantes jogarem ovos e bolas de cera cheias de água uns nos outros, empurrarem-se na lama, além de atirar objetos pela janela.
Ilustração retratando os 'entrudos' , Largo do Chafariz, local do primeiro baile e Sociedade Carnavalesca de Santos
CRÍTICAS POLÍTICAS DURANTE A FOLIA
As ruas de Santos eram tomadas por desfiles, com muitos trazendo críticas à sociedade e à política. Um dos exemplos mais marcantes foi em 1884, com o grupo Meteoros, formado por foliões da Rua 25 de março (atual XV de Novembro). Na época, o assunto mais discutido na Cidade era a lotação esgotada do Cemitério do Paquetá, obrigando a Intendência (Prefeitura da época) a buscar soluções para novo espaço para sepultamentos. Os “Meteoros” saíram fantasiados de esqueletos. No carro de abertura do desfile, um cartaz dizia: Para onde vamos?
Cemiterio do Paquetá, no passado, foi tema de discussão
BATALHA DE CONFETES
O confete chegou no carnaval santista em 1894. Foliões, blocos e grupos passaram a disputar suas Batalhas de Confete, com vencedores sendo premiados com coroas, medalhas, troféus e até dinheiro nas primeiras décadas do século. Dentre as mais famosas, as da Rua General Câmara, do Gonzaga, do "Brooklin Santista" (Rua Campos Mello), do Marapé, Campo Grande ("Turma do Funil"), do Santo Antônio (Linha 19), Macuco (inclusive na Bacia), do Mercado, Vila Mathias e tantas outras.
(1) Brooklin Santista; (2 e 3 ) mais imagens das traducionais Batalha de confete (Memórias Samba Santista)
A FOLIA SOBRE RODAS
No final do século 19, surgiram os que se transformariam nos atuais carros alegóricos das escolas de samba. Eram luxuosas carruagens enfeitadas, assim como os animais que as puxavam. O desfile se chamava “corso” e era uma brincadeira exclusiva da elite, que tinha carros. Em Santos, os primeiros desfiles tinham como percursos as principais ruas da Cidade: Rua do Comércio (antiga Rua Santo Antônio), passava pela Rua XV de Novembro (Rua Direita) até a atual Praça Barão do Rio Branco (Largo do Carmo), onde retornava.
Foi em 1904 que ocorreu o primeiro corso com um automóvel a motor. O calhambeque vinha todo enfeitado com flores e um garoto fantasiado de “bebê” ostentava o estandarte do Bloco Carnavalesco “Filhos do Inferno. Em 1913, automóveis e carruagens se mesclavam nos corsos da Rua XV, com direito a realização de concursos
Fotos: Memória Santista
Em 1916, os corsos foram para a orla, com a participação de várias famílias influentes da cidade. A festa em carros era um dos pontos altos do Carnaval Santista até o final dos anos 1940. Com a fabricação de carros fechados, a festa foi decaindo.
SEGUNDO MAIS ANIMADO DO BRASIL
Desde cedo, Santos já era conhecida pela folia e seu carnaval era considerado o segundo mais animado do Brasil, atrás do Rio de Janeiro. Os blocos carnavalescos começaram a marcar presença em 1917, ganharam projeção na década de 30 e atingiram o auge nos anos 50 e 60. No início da década de 20, os ranchos e choros passaram a figurar no cenário carnavalesco da Cidade, assim como os cordões de baianas que empolgavam o público com os requebros e sapateados de suas cabrochas.
(1) Grupo do Clube dos Girondinos 1910, (2) Acampamento dos Peles Vermelhas no Blocos Agora Vai; (3) Bloco das Misses; (4) Primeiros blocos, do arquivo pessoal de J. Muniz Jr; (5) Bloco Favoritas do Sultão
NA CADEIA ATÉ QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Uma curiosidade sobre a folia de outros tempos é que, até o início da década de 1940, quem fosse preso durante o Carnaval por provocar qualquer desordem, só era libertado na Quarta-Feira de Cinzas. Neste dia, inúmeras pessoas aguardavam em frente a Cadeia Velha, na Praça dos Andradas, para zombar dos arruaceiros, que saiam da prisão, ainda fantasiados, em grupos.
Cadeia Velha, na Praça dos Andrades, no passado
DONA DOROTÉIA: BLOCO FEZ HISTÓRIA
Um bloco formado exclusivamente por homens fantasiados de mulher, fez história ao desfilar por 74 anos, de 1923 até 1997, na orla, próximo aos clubes da Ponta da Praia. O ‘Dona Dorotéia, Vamos Furar Aquela Onda?’ acontecia sempre um domingo antes do Carnaval e, tradicionalmente, os participantes entravam no mar no final.
A festa começou com integrantes do Bloco Pé no Fundo, do Clube Internacional de Regatas, que entraram no mar vestindo fantasias de papel. Nos anos 50, o bloco foi transferido para o Gonzaga. Tornou-se tão grande que chegou a reunir 20 blocos. A última edição foi em 1997.
(1) Desfile Dorotiano em 1926 - Carnaval santista, de Bandeira Jr, (2; 3, 4 e 5) - Fevereiro de 1950 - Revista O Cruzeiro (Memória Santista)
TAMBÉM FORAM MARCANTES
Dengosas do Marapé, Favoritas do Sultão, Bloco das Esmeraldas, Chineses do Mercado, Mariposas de Santo Antônio, Romanos do Campo Grande, As Misses, Gueixas do Atlanta, Cruz de Malta, Oswaldo Cruz, nomes que ficaram na história dos blocos santistas. Desfilavam no Banho da Dorotéia e também no carnaval oficial. Surgiram em 1915 e permaneceram até o início dos anos 60. Até o começo de 70 só desfilavam homens; para as mulheres restavam os ranchos e escolas de samba. O bloco era marcado pelo ritmo da marcha, batucada e carregava estandarte, além de carros alegóricos.
(1) Desfile do Bloco de Carnaval Oswaldo Cruz, em 59; (2) Bloco de Carnaval Favoritas do Sultão; (3, 4, 5 e 9 ) Bloco dos chineses, em 55; (6) Bloco das Misses, em 55 - Todas de autoria de José Dias Herrera/Acervo Fams; (7) Criado em 45, bloco Dengosas do Marapé perdurou até 68 (Diário oficial) e (8) Agora vai, década de 70, de José Dias Herrera - Acervo Fams
A PRIMEIRA BANDA CARNAVALESCA
A primeira banda carnavalesca de Santos foi a Banda da Divisa, surgida em 1971, no Bar do Lino, em frente à praia do José Menino. Era formada por jovens universitários que se reuniam fantasiados na areia da praia, alguns dias antes do carnaval, dançando, cantando e utilizando instrumentos de percussão. Inicialmente com 200 figurantes, a banda foi crescendo tanto que, a partir de 1973, passou a abrir e fechar o desfile oficial das escolas de samba, com muita diversão e espontaneidade. O número de simpatizantes cresceu tanto que chegou a contar com bateria de 80 ritmistas. Desfilou pela última vez em 1977 e serviu de modelo e de incentivo para as bandas que vieram a seguir.
Na foto menor, anos 70, quando se firmaram-se as bandas e a Banda da Divisa marcou época e, na outra, bandas animam carnaval no final da década de 80 (Fotos: Diário Oficial)
BAILES CARNAVALESCOS POR TODA CIDADE
Os bailes carnavalescos começaram no Teatro do Largo da Coroação (ou Teatro de Santos), que funcionou de 1850 a 1879, na esquina da atual Praça Visconde de Mauá com a Rua Riachuelo. Por muitos anos, se espalharam por todos os cantos da Cidade. No passado, os bailes agitavam os salões do Parque Balneário Hotel, Miramar, Clube XV, Centro Espanhol, Coliseu, Humanitária e outros. Alguns deles continuaram realizando bailes até a década de 80, quando a atração ainda lotava os clubes da cidade, como o Atlético, Santos, Portuguesa, Portuários, Caiçara, Regatas, Sírio etc. A cidade também sediava concursos de fantasias luxuosas nos salões do Parque Balneário, Internacional, Caiçara, atraindo estrelas das plumas e paetês como Evandro Castro Lima e Clóvis Bornay.
(1) Baile de carnaval no C.R Vasco da Gama, nos anos 60; (2) Cena de folia nos clubes; (3) Salão do Santos F.C, em 1952 - Fotos Arquivo Pessoal J.Muniz Jr.
CARNABONDE REVIVE TRADIÇÃO
No início do período sem desfiles, em 2001, foi criado o Carnabonde, maior baile de carnaval a céu aberto da Baixada Santista, para reviver a tradição da Cidade no carnaval. Milhares de foliões curtem embalados por marchinhas antigas percorrendo as ruas do centro histórico atrás do bonde enfeitado para o carnaval, contribuindo com a revitalização da região central e mantendo vivo o glamour dos antigos carnavais. Aliás, se quiser saber da programação do Carnabonde 2025 basta clicar aqui.
Carnabonde em 2001 - Fotos: Acervo FAMS
Vale lembrar que parte destas informações foram obtidas com a maior autoridade da história do samba da Região, o historiador e Marechal do Samba J. Muniz Jr, em uma de suas muitas obras: “Memórias do Carnaval Santista”. Atualmente com 90 anos, J. Muniz Jr é jornalista, reside em Santos desde 1938, foi cronista carnavalesco e colunista do jornal O Diário, Cidade de Santos e A Tribuna. Sambista desde a década de 40, pesquisador e autor de mais de 40 enredos para escolas de samba de todo Brasil. Foi um dos idealizadores dos Simpósios do Samba, que realizavam intercâmbio e uniam escolas santistas, paulistanas e do Rio de Janeiro. Também publicou obras como “Panorama do Samba Santista” (1976) e “X-9: Escola Pioneira” (1978). Esses trabalhos tiveram continuidade nos livros “O Samba Santista em Desfile” (1999); “O Negro na História de Santos” (2008); “Memórias do Carnaval Santista” (2013) e “Nos Tempos da Batucada - As Origens do Samba Santista” (2013). Sua história está muito bem retratada no livro “A Saga do Marechal do Samba, J. Muniz Jr.”, obra publicada pelo seu filho Jadir Muniz de Souza, em 2024.