Um senhor negro de cabelos grisalhos sorri enquanto segura um livro aberto em frente a uma casa com azulejos azuis e brancos
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Casa das Culturas de Santos vive tarde dedicada à memória, legado e resistência afro-brasileira

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“O que é transmitido às gerações que se seguem”. Esta é uma das definições da palavra legado no dicionário e que se aplica a celebração à ancestralidade e à tradição da capoeira, na Casa das Culturas de Santos (Vila Nova), na tarde de terça-feira (18), com o lançamento do livro Meu Andar com a Capoeira: Construção de um Legado, escrito por Roberto Teles, o Mestre Sombra, uma grande referência nacional na modalidade e fundador da Associação Senzala Santos.

O evento integra a programação do Mês da Consciência Negra e reforça o compromisso do espaço com a preservação da memória afro-brasileira e das práticas culturais de matriz africana.

Mestre Sombra refletiu sobre o significado de registrar sua história em forma de livro. “Esse legado, no meu entender, é o que você fez de bom e que este bom venha fortalecer aqueles que virão. Isso é o legado. E, além dos centenas de alunos que formei pelo Brasil e afora, escrever esse livro é uma forma de memorizar para que o tempo também tenha o privilégio de usufruir”.

A obra reúne memórias, aprendizados, encontros, adversidades e a construção de uma filosofia que consolidou a capoeira como expressão de identidade, resistência e coletividade.

“Falar de Mestre Sombra é falar de legado. Cresci ouvindo falar sobre suas histórias, que inspiram muita gente. É motivo de muita alegria estarmos aqui. Somos feitos dessa terra e temos que reverenciar nossas referências”, disse Wellington Araújo, presidente do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e Promoção da Igualdade Racial.

Professora da Unifesp e assistente social, Francisca Rodrigues foi uma das responsáveis por organizar a publicação. “Organizamos o livro no tempo do Mestre. Ele possuí muito material guardado. Tivemos também o processo de nos apresentar e ganhar a confiança dele para que pudéssemos ter acesso a esse rico conteúdo. Foi tudo feito no tempo dele”.

Poeta e curador da Casa das Culturas, Flávio Viegas Amoreira destacou o simbolismo do lançamento e a importância de Mestre Sombra na preservação das culturas afro-brasileiras. “Esta casa tem tudo a ver com culturas e com resistência, especialmente a resistência afrodescendente. Aqui devemos tantos saberes e sabores. Graças à luta e à pedagogia do Mestre Sombra, temos conseguido abrir brechas contra o racismo sistêmico e avançar no reconhecimento dessas culturas que ajudaram a formar uma civilização.”

O curador enfatizou o papel da capoeira como linguagem poética e como expressão de uma ancestralidade ainda negligenciada no país. “Os movimentos de resistência são movimentos de generosidade. A existência de Mestre Sombra e este livro são testemunhos da suprema generosidade do mestre e da bem-aventurança da capoeira”.

Roberto Teles de Oliveira, o Mestre Sombra, nasceu em Santa Rosa de Lima (Sergipe), no dia 6 de fevereiro de 1942. Chegou a Santos em 1962, após trabalhar na construção civil em Aracaju, e no ano seguinte ingressou no grupo Bahia do Berimbau, do Mestre Olímpio. Após a morte do mestre, em 1972, assumiu a liderança da então Associação Zumbi, que em 1974 passou a se chamar Senzala.

Em 1975, instalou a academia no endereço onde permanece até hoje, na Rua Braz Cubas, formando várias gerações de professores e mestres e consolidando sua influência na Baixada Santista e no país. Aposentado das Docas desde 1993, abriu o Bazar Senzala e passou a viajar pelo Brasil, Europa e América para apoiar seus alunos e divulgar a capoeira.

É reconhecido por sua filosofia poética, expressa em frases como “Jogar capoeira é pôr o corpo em oração” e “Capoeira luta sem vencer, por isso vence sem lutar”. Considerado uma referência nacional e internacional, já formou mais de 5 mil capoeiristas ao longo de sua trajetória.

Confira a programação do Mês da Consciência Negra em https://www.santos.sp.gov.br/?q=hotsite/mes-da-consciencia-negra